Também já nos referimos á existência deste lugar tão importante e tão pouco conhecido, sendo, aliás, bem digno disso. Cremos que é o único lugar do Alportel, onde a tradição, embora medrosa, deixou ainda ficar o medonho martírio dos encantamentos de mouros.Para uma ideia mais completa, transcrevo o que, em referência ao assunto, diz Ataíde de Oliveira:«Não obstante a carência quási completa de lendas de mouros encantados, na freguesia de S. Brás de Alportel, é certo que esta freguesia tem sítios que se assinalaram no tempo dos mouros, por factos históricos ou por denominações mouriscas, chegadas até hoje.Entre os sítios da 1.ª classe, mencionarei o do Desbarato, entre S. Brás e S.ta Catarina da Fonte do Bispo. Houve ali um forte combate entre os sarracenos e os cristãos e que um cronista, quási contemporâneo descreve da seguinte forma: (o autor transcreve o que também transcrevemos a pág. 54). Nas tradições dos sítios do Desbarato e limítrofes, não encontrei referências a êste combate.Há, na mesma frèguezia, um sítio denominado a Fonte do Mouro. Chamei a atenção de um ilustre cavalheiro para a lenda que corre nesta vila de Loulé, referente àquele sítio, e não obstante envidar os seus esforços, nada ali encontrou. A lenda aludida e que me foi contada por uma das velhinhas de Loulé, consiste em que ficara encantada no fundo da Fonte, onde há um palácio, certa moura muito rica, que tem ao lado do seu leito de ouro, doze alcofas de diamantes e brilhantes.Na mesma frèguezia, há ainda dois sítios, a Mesquita alta e a Mesquita baixa, onde também o meu aludido amigo não encontrou vestígios e lendas, e o mesmo sucede respectivamente a Alportel, nome de origem sarracena.É possível que as lendas referentes aqueles sítios se não achem completamente obliteradas.Notei entre as diversas pessoas que consultei a este respeito, uma visível repugnância ao narrar as lendas. Atribuo essa repugnância a duas causas: o receio de cair ni ridículo, pois que a época actual rasga tudo que lhe cheira a antiguidades, e o receio de magoar os desditosos encantados com a revelação das suas infelicidades».Um pouco mais felizes que o benemérito trabalhador, Ataíde de Oliveira, podemos apresentar duas lendas, reduzidas aliás, à máxima simplicidade.
in, LOURO, 1996:348-349
As mouras da cova da Moura
Esta é contada, com o pensamento e olhar pouco tranquilos, pelos raros que, ali pela meianoite, se atreveram a passar por aquelas paragens pouco transitáveis.Muitos dos interpelados, mesmo nossos amigos e íntimos, não gostam realmente de falar no assunto, ou seja pelo ridículo da sua credulidade, como diz A. de Oliveira ou, - o que julgamos mais verdadeiro – pelo fundo receio ou medo de se intrometerem em coisassobrenaturais. No entanto, num rasgo decidido, afirmam que sim, que há lá na cova, mouros ou mouras, enfim, que há gente, visto que, bem claramente, ouviram: uns: «um grande barulho, gritos, prantos»; outros «muitas palmas e grandes carcachadas» que ecoavam estridulamente, nos penhascos vizinhos e, lá mais ao norte, nas encostas fronteiras. Um nosso parente acrescentou até que não só ele ficou durante algum tempo espavorido, mas até uma cadela que o acompanhava, ficou imóvel, repassada de pavor, numa noite em que este parente teve que pernoitar perto da Cova, e ali pela maia noite, quando começaram as carcachadas e as palmas.
in, LOURO, 1996:348-349
O sêrro da Branca-Flor (vulgo “Lenda da Branca Flor”)
É um pequeno sêrro, perfeitamente arredondado no cimo, que fica a uma centena de metros da Cova, para noroeste. No cimo dele, à superfície, estão espalhados numerosos cacos de telha grossíssima; no leito da ribeira que lhe corre aos pés, está uma mó, já mutilada, de um lagar de vara. Em frente, espraia-se a vargem da corte, onde têm sido encontrados vestígios de gerações passadas, como dissemos já. Respira-se pois ali, a atmosfera do viver antigo, o que, de-certo, facilitou o aparecimento da lenda que é bem simples.Uma princesa, chamada Branca-Flor, muito linda como o seu nome indica, mas ainda mais rica, gostou tanto de viver ali naquelas serras que ficou condenada para sempre a nunca mais de lá sair. Ainda hoje, por ali anda e continuará a andar até que algum dia alguém quebre o encantamento. O que é, é que se não sabe como ele se quebra.
in, LOURO, 1996:348-349