Site Autárquico São Brás de Alportel

À conversa com Lilian Barros

 Uma das medidas do Plano Municipal de São Brás de Alportel para a Integração de Imigrantes construído é a criação desta página, onde convidamos os nossos imigrantes a partilharem as suas s suas histórias e experiências. Mensalmente queremos dar voz a todos aqueles que chegaram de diferentes locais do mundo e hoje partilham esta mesma Terra que é construída por todos Nós!

Envie os seus artigos na sua língua e se possível também traduzidos em português para a redação deste jornal. Mais informações sobre este Plano, em : www.cm-sbras.pt

One of the measures of this plan Municipal de São Brás de Alportel for immigrant integration is the creation of this page, where we invite our immigrants share their, stories and experiences. Each month, we want to give voice to all those who have come from different locations around the world and today share this same land which is built by all of us.

Submit your articles in your language and if possible also translated into Portuguese for the writing of this paper. More information about this Plan at: www.cm-sbras.pt

 

 

Este mês ficámos a conhecer Lilian Barros:

 

 

Chamo-me Lilian Barros (ou como gosto, apenas Lili). Tenho 40 anos e sou brasileira. Tirei o curso de Psicologia Clínica no Brasil e tive o prazer de trabalhar e servir a comunidade durante alguns anos até que decidi partir para uma nova aventura.

Há quase 9 anos mudei de São Paulo (uma cidade com cerca de 20 milhões de habitantes, considerada o centro financeiro, corporativo e mercantil da América do Sul, conhecida por ser a mais influente do país) para a simpática vila de São Brás de Alportel que conta com cerca de 11.000 residentes.

Grande mudança. Grande desafio. Deixar de viver sem poluição, respirar o ar puro da serra e poder ver as estrelas brilharem de outra forma foi, de início, estranho. Acostumar o ouvido ao prazer do silêncio, não ter de lidar com filas intermináveis de trânsito e receber um bom dia de todos aqueles que passavam por mim também era algo surreal para uma pessoa que estava acostumada a ser apenas mais uma numa cidade que cresce e muda a cada hora e que passava incógnita na maior parte das vezes.

Sempre tive uma relação estreita com Portugal, primeiro, pela minha ascendência e segundo, por ter cá família. Por algumas vezes tive a oportunidade de visita-los, mesmo antes de imaginar que um dia viria em definitivo. A cada vez descobria mais alguma coisa. Incrível como um país tão pequeno tem tantos segredos.

Não foi difícil adaptar-me à cultura e aos hábitos e quando me perguntam, até hoje, se prefiro São Paulo ou São Brás de Alportel respondo em tom de brincadeira que não se pode comparar uma laranja de uma maçã porque são, simplesmente, diferentes entre si.

Algumas coisas achei estranho, é claro. Comer caracóis e carapaus alimados? E o que dizer da alfarroba, medronho e a mundialmente reconhecida cortiça? Minha questão era: Será que um dia vou gostar? Será que vou entronizar estes hábitos? Pois… hoje posso responder que sim. Gosto e já estou bem habituada. Já não me vejo a viver numa metrópole novamente.

Aprendi a apreciar a música, os costumes e as tradições desta terra que me acolheu tão bem e a desfrutar das festas e comemorações que marcam um povo cheio de história. No início, a forma rápida que o algarvio tem de falar dificultava a minha perceção e, por vezes, só me ria de uma anedota depois de alguns segundos, quando alguém “traduzia” para a “minha língua”.

Gosto da ideia de morar em São Brás de Alportel e da simplicidade que ela oferece. Aqui tomei real consciência sobre pequenas atitudes que fazem grandes diferenças e que destoam muito das grandes cidades. Um exemplo disso é o compromisso que os cidadãos têm sobre questões como a reciclagem. Cá na vila existem postos de recolha de fácil acesso, coisa que não acontece em São Paulo. Outra coisa que me chama atenção é a limpeza. Não se vê acumulação de lixo tanto nos caixotes nem mesmo nas ruas em geral. Outra questão interessante diz respeito à solidariedade demonstrada nos postos de recolha de roupa usada, lojas de apoio social até eventos de angariação de fundos para casos mais específicos.

Outra coisa que reconheço é a relevância em manter vivas as tradições e costumes que não se prendem somente na passagem familiar mas que ultrapassam paredes e são apresentadas em forma de workshops, formações e outros cursos. Só não aproveita para aprender quem não quer!

Apesar de Portugal ter um perfil de proteção daquilo que é seu, noto que não fecha as portas aos imigrantes. Na verdade creio que, dentro da Europa, é um país dos mais recetivos que há. Obviamente que a língua é um fator determinante para que esta união aconteça. Basta passarmos uma hora em frente a televisão e temos exemplos claros da influência da nossa cultura no vosso país. Vejo Portugal como uma nação que, apesar de ter raízes muito sólidas, apresenta uma elasticidade facilitadora para adaptação aos mais diferentes povos e línguas, principalmente cá no Algarve, devido à grande concentração de turistas e moradores estrangeiros.

Mas, como tudo na vida, nem tudo são flores e andam na perfeição. Há coisas que estão a ser trabalhadas para que haja mudanças.

Um dos pontos que deixa a desejar é a questão da saúde e acesso aos médicos. Apesar de me beneficiar de um acordo entre Brasil e Portugal, pátrias irmãs, que me dá o direito de ser assistida com as mesmas condições de uma cidadã portuguesa, este factor ainda é precário. Não há médicos de família suficientes nem para os próprios portugueses, quanto mais para os estrangeiros! Infelizmente, não se pode depender do Sistema de Saúde e, por vezes, se queremos um atendimento mais eficiente e urgente, temos de recorrer ao serviço privado (que é uma pipa de massa!).

Nunca achei que tivesse o direito de criticar uma nação que me acolheu tão bem em vários aspectos e também não posso dizer que a atenção que o Brasil dá à saúde seja muito diferente da daqui. Mas há coisas que são imprescindíveis e, uma vez que tenho a mesma lista de deveres e obrigações de qualquer outro cidadão português, também gostava de reivindicar os mesmos direitos. E foi neste sentido que aceitei o desafio de participar das reuniões para a elaboração do Plano Municipal de São Brás de Alportel para a Integração de Imigrantes. Tomei conhecimento da proposta através das visitas regulares ao CLAII (Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes).

De início não consegui perceber a abrangência deste projeto mas com o tempo e continuidade nas reuniões, ficaram claras as intenções da criação de um conjunto de medidas básicas facilitadoras para a inclusão dos imigrantes residentes, trabalhadores ou visitantes em São Brás de Alportel. O desafio dado a nós, interlocutores e representantes dos vários países juntamente com os representantes das instituições locais e regionais era discutir a realidade que vivemos. Pode parecer simples mas, na prática, dá muito trabalho.

Foram horas a pensar e debater sobre as nossas dificuldades e a maneira que nós (imigrantes) somos tratados nos mais variados níveis (sociais, intelectuais, educacionais, de religião, de reconhecimento de cultura, de solidariedade, habitação, educação, saúde, língua, formação, entre outros).

Há muito trabalho a ser feito mas vejo um começo, uma iniciativa e o desejo de fazer diferença. Oiço as vozes e os desejos de povos que precisam ser reconhecidos enquanto seres humanos. Consigo acreditar que a minha voz será ouvida nesta comunidade.

Meu desejo é que possamos crescer, aprender e adaptarmo-nos à realidade que temos mas que não sejamos nulos. Que possamos partilhar e trocar as diferenças para um bem maior. Que cresçamos juntos pelas nossas diferenças e que aproveitemos o possível dialogo como fonte de um grande início de inserção social!

Obs.: Aquando da elaboração do texto, recebi a notificação da Universidade do Algarve a dizer que o meu pedido de equivalência à licenciatura em Psicologia foi aceite!!!

Lilian Barros

São Brás de Alportel, novembro de 2015

*Artigo publicado no jornal local “Sambrasense”, numa colaboração do mensário com o Plano Municipal de São Brás de Alportel para a Integração de Imigrantes.